terça-feira, 13 de maio de 2014

Tamera: uma utopia concreta



Tamera. Numa herdade morta nasceu um pequeno paraíso ecológico.


De Kojin Karatani a Tamera

Por ANTÓNIO CERVEIRA PINTO

Regressei a Marx, Hegel, Kant e Kierkegaard através de um notável e atualíssimo livro de Kojin Karatani —The Structure of World History. A sensação de inspiração profunda e ar puro que resulta da leitura deste livro num tempo de mentira e criminosos à solta só é comparável à visita que fiz a Tamera no inverno que passou, um laboratório social, ideológico e tecnológico dos mais avançados que a Europa neste momento conhece. Os seus criadores, Sabine Lichtentels, Dieter Duhm e Charly Rainer Ehrempreis, cientes de que o mundo industrializado e financeiro parece incapaz de sair do ciclo infernal da prosperidade versus miséria e guerra, marcados, como milhares de outros europeus, pelos pesadelos recentes da irracionalidade, da intolerância e da ganância, decidiram converter experiência e saberes —os saberes das longas discussões ideológicas que é possível ter nos cafés de Berlin, ou num ferry cruzando o Lago Constança a caminho de Zurique— no que chamam acertadamente uma utopia concreta, lugar de experimentação, discussão, partilha e meditação sobre como encontrar o caminho da felicidade produtiva e adulta. Físicos, arquitetos, engenheiros, inventores, fotógrafos, realizadores de cinema, antropólogos, teólogos e artistas, entre outros especialistas típicos da nossa civilização tecnologicamente avançada, elegeram um ponto aparentemente perdido no quase litoral alentejano (Colos, Odemira) para aí experimentarem e viverem modelos de futuro, certamente inspirados pela tempestade poética e filosófica nietzschiana, por Teilhard de Chardin, van Gogh, Rudolf Steiner, Willem Reich, Jesus Cristo ou Lao Tze, referências caras, nomeadamente, a Dieter Duhm — o ideólogo seminal desta aventura.


O Círculo de Pedras de Tamera dialogia com o Cromeleque dos Almendres.

Como escreve Sabine Lichtenfels no esclarecedor livro Tamera—Um Modelo Para o Futuro,

    “No contexto da Europa, Portugal é o ‘rosto do continente’ em direção ao oceano. A longa história de colonização confirma isso. Portugal sempre recebeu refugiados, minorias e pessoas que pensam de modo diferente. O trabalho global em rede e a tolerância têm aqui uma longa tradição.”

Neste laboratório vivo, onde se interrogam de novo, sem preconceitos, os Elementos e a ação humana, ocorre-me a pedagogia humanista do desaparecido artista alemão Joseph Beuys, porventura um dos grandes inpiradores dos movimentos ecologistas europeus. O animismo e o paganismo que um dia deitámos ao lixo, exibindo alegremente a nossa arrogância apressadamente racionalista, regressam paulatinamente à consciência coletiva, à medida que vamos tomando conhecimento e consciência das nossas limitações científicas, tecnológicas e sobretudo morais. O grande círculo de pedras erguido em Tamera, alinhado com o Cromeleque dos Almendres, é um símbolo claro de um regresso ao futuro, neste momento ameaçado, e um sinal de que precisamos de uma nova transdisciplinaridade cognitiva, sensorial e metafísica para lograrmos sair do aperto em que nos deixámos cair pelo excesso de obesidade civilizacional.

O sistema humano está demasiado doente. Sofre de uma espécie de sarna financeira e social cuja comichão volta a ser infernal. Precisamos de um retiro cognitivo e espiritual, de ver as estrelas, respirar ar puro e ouvir os nossos irmãos e irmãs cavalo, abetarda, porco espinho, camaleão, esteva, oliveira, água, pedra! Ler e reler De Rerum Natura, ouvir a voz longínqua de Lucrécio, que ecoa ainda, apertar a terra seca com as mãos, perceber os grãos da realidade, acordar com os melros enamorados e sentir o ar pela narinas acima. Regressarei a Tamera!


Os cavalos soltos de Tamera, vivem a sua vida.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Joao Bacelar

JOAO BACELAR
Anna Nevala (Best Models), 2014

Alice on the Other Side of the Catwalk

by ANTÓNIO CERVEIRA PINTO

If anything distinguishes modern and contemporary culture, fashion is the one. In its fragile and ephemeral body, in the tissue that had just landed on the skin of models and their chained movement, fashion calls itself for the narcissism, drawing, cutting, sewing, imagery, eroticism, seduction, nervousness, excitement and beauty of an era marked by urban communication, look, freedom and democracy. Where the female, the male and other genres interact day and nigh. High couture, the last costume and the famous tailor that excited Soren Kierkegaard. In black and white, "prêt-à-porter" and color, what else?
In this frenzy circular chamber a special cat moves with a camera on his hands. It is the artist, hunter of images that propagate through the phases of light as an endless lake. It is Joao Bacelar, the intimate reporter of the invisible dimensions before the parade. The artist as photographer moves uncensored around the backstage of fashion travails, sharing those moments and tensions preceding the catwalk, capturing different language games, shapes, colors and movements emanating from those frenzy days and nights. Alice on the other side of the catwalk, definitely!

This exhibition brings together more than one hundred photographs taken in the backstage of Portuguese fashion parades, with particular emphasis on ModaLisboa events.

JOAO BACELAR: "Alice on the Other Side of the Catwalk"
TALK—a conversation between Joao Bacelar and Antonio Cerveira Pinto. June 3, 7-9 pm
Galeria Luís Serpa Projectos (Lisboa), may 8 - june 19,  2014.