terça-feira, 8 de abril de 2014

Corpos de arte

MIGUEL PALMA, "Approaching to art", 2014.

Um simulador humano de voo

por ANTÓNIO CERVEIRA PINTO

O nosso corpo e a nossa vida são cada vez mais dependentes da cibernética. Como intuiu Alfred Gell na sua provocadora antropologia da arte, Art and Agency, An Anthropology Theory, retomando, claro, Marcel Duchamp, Kurt Schwitters (não sei se Vladimir Tatlin, também), a arte é um 'sistema de ação', e para os seus 'objetos' (as famosas 'obras de arte') serem considerados num plano estritamente teórico, têm que ser analisadas como 'pessoas'. A arte, mais do que uma 'representação', é um 'fazer' (téchne - τέχνη), uma tecnologia, uma família interminável, mas relacional de objetos possuídos de alma — por vezes, simplesmente ritualistas ou identitários, outras ainda, surpreendentes, fascinantes, avassaladores, de propaganda, comoventes, profundos, íntimos...
 
MIGUEL PALMA, "Approaching to art", 2014.
Mais dois textos meus sobre a obra de Miguel Palma:
Este projeto foi originalmente apresentado por: Curatorial clube.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Produtividade, 1980 | Not A Bug Splat, 2014

Produtividade, 1980


ANTÓNIO CERVEIRA PINTO — PRODUTIVIDADE — 1980

On the back of the postcard:

ANTÓNIO CERVEIRA PINTO 
PRODUTIVIDADE — 1980 

The United States Army, for example, has announced that it will be using from sux to ten thousand machines of this type for training purposes. As a result, other companies are entering the three-quarter-inch U-Matic market.

Address: Largo do Picadeiro, 10, 2º / 1200 LISBOA 

PORTUGAL

Not A Bug Splat, 2014


The project is a collaboration of artists who made use of the French artist JR’s ‘Inside Out’ movement. Reprieve/Foundation for Fundamental Rights helped launch the effort which has been released with the hashtag #NotABugSplat

In military slang, Predator drone operators often refer to kills as ‘bug splats’, since viewing the body through a grainy video image gives the sense of an insect being crushed.

To challenge this insensitivity as well as raise awareness of civilian casualties, an artist collective installed a massive portrait facing up in the heavily bombed Khyber Pukhtoonkhwa region of Pakistan, where drone attacks regularly occur. Now, when viewed by a drone camera, what an operator sees on his screen is not an anonymous dot on the landscape, but an innocent child victim’s face. — NABS.

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Conversas à volta da mesa #2


Sobre a obra de João Vilhena e a moda dos 'selfies '

8, abril, 2014 18h00-20h00 @ Galeria Luís Serpa Projectos (Lisboa)

por ANTÓNIO CERVEIRA PINTO

Podemos entender a onda Selfie nas redes sociais, quer como um teatro do eu, quer como um desenvolvimento radical de narcisismo tal como Freud o estudou no início das sociedades capitalistas modernas dos finais século XIX e início do século XX. Christopher Lasch escreveu em The Culture of Narcissism, American Life in Ab Age of Diminshing Expectations:
—“Mais do que qualquer outra coisa, é esta coexistência do hiper-racionalismo a par de uma revolta generalizada contra a racionalidade que justifica a caracterização o modo de vida do nosso XX como uma cultura do narcisismo”.
Como introdução à conversa do dia 8 de abril, recomendo o que escrevi para a exposição de Vilhena: Silly selfies, or not.

E, já agora, mais estes tópicos, que complementam o texto de introdução referido.
  1. O narcisismo social é uma característica psicológica do capitalismo. Na primeira das suas longas fases (séculos 16, 17, 18 — capitalismo comercial) esteve sobretudo associado às elites; depois (séculos 19, 20 — capitalismo industrial) invadiu progressivamente as sociedades urbanas, até que (desde finais do século 20 — capitalismo financeiro de alta frequência) se tornou massivo, global e variável, à medida que o planeta foi sendo catapultado para a dimensão digital que agora acresce ao espaço topológico e ao tempo-duração convencionais.
  2. O que permite a expansão massiva (viral) do narcisismo pós-contemporâneo (a pós-contemporaneidade não é mais do que a integração social e cultural do tempo digital nas nossas vidas), com tudo o que esta realidade complexa comporta e implica (ler Freud, nomeadamente), é a miniaturização, robotização e ligação —em redes e nuvens— dos dispositivos de computação algorítmica associadas ao seu baixo preço comercial (flat rate).
  3. O poder intrínseco e contraditório do narcisismo, quer na sua expressão individual, quer na sua expressão social é tal que nenhuma arte ou indústria cultural consegue já escapar à sua poderosa influência — resta saber como será a adaptação e modelagem desta espécie de órgão imaginário da cultura pós-contemporânea.
  4. A exposição E/O (Eu/Outro), de Joao Vilhena, realizada sob minha curadoria, é simultaneamente uma resposta e uma Caixa de Pandora. O capitalismo afluente, consumista e tecnológico (embora esta afluência esteja ameaçada pela escassez energética e de recursos naturais que se perfila claramente no horizonte), onde os sistemas de reprodução simbólica e aumento da realidade criaram um novo mundo, é uma realidade complexa cujo futuro ignoramos. Para já, temos um banquete de desejos servidos, quase gratuitamente, na ponta das tecnologias. A pergunta óbvia é esta: se me posso servir gratuitamente neste buffet pós-contemporâneo do planeta virtual, quem me convencerá a pagar, e o quê? Mas por outro lado, esta abundância virtual caminha, pelo menos para já, ao lado de uma perda galopante e dramática da autonomia económica e financeira de milhões de pessoas em todo o mundo, e sobretudo das classes médias urbanas, com a consequente restrição alarmante dos duramente conquistados graus de liberdade.
  5. O que distingue o fazer estético dos artistas, do fazer estético facilitado pelas tecnologias a que hoje milhares de milhões de pessoas têm acesso?