sábado, 23 de setembro de 2006

Anos 80: respostas escritas


1. Are there in Portugal in the 1980s under the umbrella of postmodernist theory similar (or different) devides?

-- Embora A Condição Pós-Moderna (1979) fosse conhecida de alguns intelectuais académicos, ou mais atentos, a verdade é que o tema foi oficialmente introduzido pelos meios de comunicação de massas por ocasião do evento Depois do Modernismo (1983). Quando o evento inaugurou não havia em Portugal, que eu saiba, nenhuma disciplina artística ou intelectual que se reclamasse da visão proposta por Lyotard. O assunto era praticamente inexistente entre nós, quer na filosofia, quer na arquitectura, quer nas artes plásticas. No entanto, parece evidente que a moda pós-moderna estava a caminho de Portugal no iníco da década de 80, ou sendo mais preciso, desde 1978-1979, momento em que tanto alguns artistas (Julião Sarmento, Leonel Moura, António Palolo, José Carvalho, Barrias, Gaëtan, eu próprio, etc.) se encontravam na Galeria Nacional de Arte Moderna (1978-1981) para falar de exposições e de arte pós-conceptual, e alguns arquitectos começavam a desviar-se de um certo minimalismo intelectual/elitista pouco adaptado à sobre-exposição solar do país. Assim sendo, o evento Depois do Modernismo pode e deve ser considerado como o vórtice de um novo optimismo criativo e mundano em Portugal, essencialmente propositivo e micrológico, a partir do qual o pós-modernismo desaguará no nosso país -- nas suas mais diversificadas disciplinas: artes plásticas, arquitectura, desenho industrial, música, moda, teatro, cinema -- numa espécie de sintonia feliz com a euforia económica proporcionada pelo afluxo torrencial de dinheiros comunitários. Por fim, é da natureza pós-moderna rejeitar as grandes narrativas. Daí que o importante tenha sido, não tanto a reiteração do -ismo, que felizente não ocorreu, mas a proliferação dos discursos e formas, a diversidade dos registos criativos e a existência de um mercado global para a sua difusão, circulação e distribuição. Só "a posteriori", quer dizer no momento em que o optimismo liberal dos 80 começa a implodir, vemos com claridade até que ponto aquela década (1978-1989) foi pós-moderna, não apenas no folclore das suas manifestações mais ditirâmbicas, mas sobretudo como período de transição para uma nova totalidade: a totalidade da informação, da cumplicidade rizomática e do sublime micrológico. Uma totalidade que da modernidade conserva e expande o método racional e a praxis tecnológica, mas que dela se separa, em nome de um relativismo científico mais radical. O nosso novo ídolo -- a verdade como rizoma informacional, algorítmico e experimental -- tem um horizonte sombrio pela frente... Passámos do paradigma construtivista (moderno) para um paradigma reconstrutivista paradoxal (pós-contemporâneo). Todo o nosso saber e arte tem agora que estar ao serviço de uma urgente e meticulosa cirurgia que consiga consertar o brinquedo estragado da nossa humanidade. Neste sentido, poderíamos continuar a falar de uma pós-modernidade persistente (conceito que ultrapassa obviamente o momento modístico do "pós-modernismo"). Mas eu prefiro falar de futuro-anterior, para precisar que entrámos mesmo numa era pós-contemporânea.


2. What are the major aesthetic/ideological camps?

Eu creio que depois de 1984, e provavelmente até ao fim da década, houve, entre nós, significativas discussões no âmbito da filosofia, da arquitectura e das artes plásticas, embora progressivamente perturbadas pela predominância crescente das estratégias de poder e do mercado, caminhando rapidamente para o fim à medida que duas revoluções tecnológicas -- computadores pessoais e Internet -- entraram no domínio público (de 1994 em diante). Pessoalmente, fui-me demarcando dos aspectos mais folclóricos do pós-modernismo logo na exposição de 1983, apresentando uma instalação (a única presente) em nada conforme com o expressionismo pictórico dominante. Ao longo da década de 90, enquanto crítico residente d'O Independente, fui abrindo caminho para uma arte menos optimista e mais crítica, em muitos pontos recuperando a herança do pós-conceptualismo norte-americano. Creio que o modo como defendi a geração portuguesa dos 90 foi uma clara demarcação face ao oportunismo comercial que inquinou boa parte da pintura e da escultura portuguesa dos anos 80. Sucede, porém, que me vi mais tarde na circunstância de ter que me demarcar da própria geração de 90, por motivos essencialmente teóricos, que têm sobretudo que ver com a percepção da emergência da grande ruptura cognitiva posta em marcha pela difusão da nova tecnosfera digital.


3. Whom or what context did you specifically support (against whom or what)?

A minha situação no contexto português é de alguma forma original. Por um lado, vejo-me como um artista que pensa e escreve. Quer dizer, como um artista para quem a criação de obras de arte ocorre, ocasionalmente, desde 1978, sobretudo como demonstração heurística de um determinado estado de convicções filosóficas e intuições estéticas, não podendo por isso atender às necessidades típicas do mercado, nem sequer a um projecto de carreira artística pessoal... Por outro, sou percebido quase exclusivamente como um crítico de arte, radical, que escreve bem, mas imprevisível!

4. What were the reasons for your choices?

Eu sou um artista tipicamente polémico e intelectual. A sociedade não precisa de mim enquanto artista, ao contrário do que sucedia na Idade Média e no Renascimento (onde poderia ter vivido muito bem do meu trabalho de pintor ou escultor). Ser livre e desempregado, confere, por outro lado, responsabilidades especiais! Poderia ter optado por ser um artista comercial, mas para isso teria que ter emigrado para países com indústrias culturais efectivas (seja no teatro, na música, no cinema, na publicidade, na edição, na televisão, na moda ou mesmo no mercado da arte moderna e contemporânea), e mesmo assim não sei o que teria feito! Estando por cá, sinto-me mais perto dos filósofos e dos cientistas puros. Gosto de pensar que o que fizer será sempre resultado de um processo autónomo de indagação e de intuições estéticas livres. Isso dá-me todo o tempo do mundo. E sobretudo um enorme prazer.

António Cerveira Pinto
2006/09/23