domingo, 21 de janeiro de 1996

Wonder School

Eva Herzigova — Playboy, 2004.

Sobre a Aula do Risco
por ANTÓNIO CERVEIRA PINTO

Quando me perguntam o que é a Aula do Risco, hesito cada vez mais em responder que é uma escola privada dedicada à promoção de estratégias de criatividade na produção artística em geral — da escrita criativa ao script para cinema e televisão, do design de comunicação à arquitectura conceptual, do explosivo mundo da multimédia à realidade virtual, ou ainda da fotografia criativa ao diálogo entre a arte e a teoria. Por outro lado, creio que seria igualmente insuficiente afirmar que ela é uma empresa experimental interessada no desenvolvimento de projectos interdisciplinares a partir da generosidade criativa que sobra das rotinas profissionais e dos jovens saídos das escolas e universidades.

De facto, olhando para a minha biografia, comecei há algum tempo a suspeitar que a Aula do Risco talvez seja afinal outra obra de arte, ou a mais recente manifestação do incurável optimismo que subtende a minha agressividade crítica. Os seus participantes não sabem, eu também não sabia, mas parece haver no subconsciente desta Aula e deste Risco o desígnio de conceber, desenhar e construir uma enorme geratriz de Realidade Virtual! 

Não se trata de abandonar o Real. Mas de ordenar num novo espaço de representação a entropia exponencial do mundo virtual que corre nas nossas veias e no mais insondável do homem tecnológico. Do you know Eva Herzigova? 

Ela é uma das muitas heroínas virtuais da aura mediática. O seu corpo tem a rigorosa espessura de uma imagem. A presença dela no mundo é puramente virtual, pois só uma presença virtual faz, neste caso, sentido. Ao contrário das pessoas com que nos cruzamos diariamente, Eva tem para nós uma existência paradoxalmente indubitável: não duvidamos da sua realidade, não a confundimos com uma personagem dramática, fica-nos na memória e até podemos sonhar com ela, aceite que foi o protocolo da sua imaterialidade. É, se quiserem, uma nova figura filosófica em acelerado processo de digitação!
“Nascida checoslovaca, rapidamente se tornou cidadã do mundo. Bastou-lhe ganhar um concurso de beleza em Praga há 6 anos atrás. A sua imagem sexy e inocente foi um verdadeiro abre-te Sésamo para tudo quanto é revista importante no mundo inteiro. A Vogue , a Elle , a Glamour , a Bazaar  e a Marie Claire  são só alguns exemplos. O mundo da publicidade não foi excepção e rendeu-se aos encantos nada ocultos desta diva. Da Campari  à L’ Óreal , da Complice  à Guess Jeans , passando por Gianni Versace  e Azzedine Alaïa , ninguém resistiu a Eva Herzigova. A campanha do Wonderbra é o melhor exemplo do que ela é capaz”. Mas com a ajuda dos computadores e das interfaces gráficas virtuais poderia chegar mais longe... ou por outra, mais perto! 

Eva Herzigova — Wonderbra, "Hello Boys", 1994

Em Junho de 95 enamorei-me vagamente desta menina com olhos de gata e outros atributos que me escuso agora de descrever. Não sabia o seu nome, mas usei a sua imagem para dissertar jornalisticamente sobre as estratégias do sublime: ao universo das representações auráticas de inspiração divina sucedeu, pouco a pouco, sobre os escombros do Romantismo, um mundo de transparências fotográficas, de comunicação e de telepresença, cuja aura, se o termo ainda serve, é imediata, superficial, espectacular e transitória, tal como a nossa wondergirl e as suas irresistíveis aparições.

Entretanto, as minhas incursões pelo domínio eléctrico e pelas previsões da realidade virtual agudizaram a sensação de que algo de muito crítico está a ocorrer nas interfaces comunicacionais. Será apenas uma fuga, ou o começo das alternativas à implosão social do famoso mundo moderno ?
O que agora chega até nós como mais um gadget da pós-modernidade será apenas isso, ou a primeira manifestação séria de um projecto mais global de civilização conjecturado, quem sabe, entre as viagens ácidas de Timothy Leary e a insídia neo-religiosa da Meditação Transcendental ?
Quando fomos convidados para participar neste evento sobre as Imagens do Futuro , o tema surgiu quase naturalmente: — e se as notícias começarem a surgir em primeiro lugar no ciberspaço?

Lancei o desafio aos alunos. A resposta está aí...

O mundo online, que a Aula do Risco vai abordar ao longo do Ciberfestival , através do seu webzine, ZERO, é uma extensão gráfica com cada vez maiores propensões para a realidade virtual  propriamente dita, do meio social gerado pelas comunicações telefónicas. A interactividade sonora torna-se, na Internet , uma telepresença audiovisual e cibernética onde o humano e a informação interagem no espaço cada vez melhor regulado da computação inteligente. A experiência proposta tem assim dois objectivos desiguais. O primeiro, e mais imediato, procura trazer até ao grande público a evidência de uma revolução sem precedentes, cujos efeitos na incessante partilha dos territórios humanos começa a fazer-se sentir. O segundo, talvez mais difuso e ambicioso nos propósitos, deseja  lançar os termos de uma renovação dos cenários linguísticos que presidem às nossas enraizadas convicções sobre o que seja realidade.

Copyright © 1996 by António Cerveira Pinto