quinta-feira, 3 de abril de 2014

Conversas à volta da mesa #2


Sobre a obra de João Vilhena e a moda dos 'selfies '

8, abril, 2014 18h00-20h00 @ Galeria Luís Serpa Projectos (Lisboa)

por ANTÓNIO CERVEIRA PINTO

Podemos entender a onda Selfie nas redes sociais, quer como um teatro do eu, quer como um desenvolvimento radical de narcisismo tal como Freud o estudou no início das sociedades capitalistas modernas dos finais século XIX e início do século XX. Christopher Lasch escreveu em The Culture of Narcissism, American Life in Ab Age of Diminshing Expectations:
—“Mais do que qualquer outra coisa, é esta coexistência do hiper-racionalismo a par de uma revolta generalizada contra a racionalidade que justifica a caracterização o modo de vida do nosso XX como uma cultura do narcisismo”.
Como introdução à conversa do dia 8 de abril, recomendo o que escrevi para a exposição de Vilhena: Silly selfies, or not.

E, já agora, mais estes tópicos, que complementam o texto de introdução referido.
  1. O narcisismo social é uma característica psicológica do capitalismo. Na primeira das suas longas fases (séculos 16, 17, 18 — capitalismo comercial) esteve sobretudo associado às elites; depois (séculos 19, 20 — capitalismo industrial) invadiu progressivamente as sociedades urbanas, até que (desde finais do século 20 — capitalismo financeiro de alta frequência) se tornou massivo, global e variável, à medida que o planeta foi sendo catapultado para a dimensão digital que agora acresce ao espaço topológico e ao tempo-duração convencionais.
  2. O que permite a expansão massiva (viral) do narcisismo pós-contemporâneo (a pós-contemporaneidade não é mais do que a integração social e cultural do tempo digital nas nossas vidas), com tudo o que esta realidade complexa comporta e implica (ler Freud, nomeadamente), é a miniaturização, robotização e ligação —em redes e nuvens— dos dispositivos de computação algorítmica associadas ao seu baixo preço comercial (flat rate).
  3. O poder intrínseco e contraditório do narcisismo, quer na sua expressão individual, quer na sua expressão social é tal que nenhuma arte ou indústria cultural consegue já escapar à sua poderosa influência — resta saber como será a adaptação e modelagem desta espécie de órgão imaginário da cultura pós-contemporânea.
  4. A exposição E/O (Eu/Outro), de Joao Vilhena, realizada sob minha curadoria, é simultaneamente uma resposta e uma Caixa de Pandora. O capitalismo afluente, consumista e tecnológico (embora esta afluência esteja ameaçada pela escassez energética e de recursos naturais que se perfila claramente no horizonte), onde os sistemas de reprodução simbólica e aumento da realidade criaram um novo mundo, é uma realidade complexa cujo futuro ignoramos. Para já, temos um banquete de desejos servidos, quase gratuitamente, na ponta das tecnologias. A pergunta óbvia é esta: se me posso servir gratuitamente neste buffet pós-contemporâneo do planeta virtual, quem me convencerá a pagar, e o quê? Mas por outro lado, esta abundância virtual caminha, pelo menos para já, ao lado de uma perda galopante e dramática da autonomia económica e financeira de milhões de pessoas em todo o mundo, e sobretudo das classes médias urbanas, com a consequente restrição alarmante dos duramente conquistados graus de liberdade.
  5. O que distingue o fazer estético dos artistas, do fazer estético facilitado pelas tecnologias a que hoje milhares de milhões de pessoas têm acesso?

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